O tráfico de crianças no sul do brasil: discursos que culpam as mães (1980-1990)
RESULTADO DE INVESTIGACIÓN: Tesis de maestría: “Cuando adoptar se vuelve ilegal: las trayectorias de los niños traficados” (con modificaciones) - Maestría en Historia, Universidad del Estado de Santa Catarina UDESC, Florianápolis, Brasil - anelise.hst@gmail.com- anelise.hst@gmail.com
Resumo:*
O comércio ilegal de crianças brasileiras para adoção internacional é veiculado pelo jornal Diário Catarinense como uma prática constantemente efetuada por mães brasileiras e advogados na década de 1980. Enquanto os pais (homens) sequer são citados no conjunto de edições analisadas, as mães são figuras bastantes presentes nas matérias jornalísticas. O lugar tradicional da mulher na família, associado ao advento da gravidez e da responsabilidade construída socialmente acerca dos cuidados maternos com a prole, contribui para a formulação de um discurso que culpa somente as mães pela entrega da criança em troca de dinheiro. Este trabalho visa analisar o discurso do jornal Diário Catarinense sobre o tráfico de crianças no Sul do Brasil, sob a perspectiva dos estudos das relações de gênero.
Palavras-chave: História; Infância; Gênero.
Abstract:
The illegal trade of brazilian children for international adoption is announced by the Diário Catarinense newspaper as a practice very often realized, by brazilian mothers and lawyers in the 1980s.. While the fathers are not mentioned in the examined editions as a whole, the mothers are always presents in the articles. The traditional woman place in the family, associated with pregnancy and the socially developed responsability under the maternal care with child, contributes to the discourse that charge the mothers for the child trafficking. The objective of this paper is the analysis of the Diário Catarinense newspaper discourse about the child trafficking in southern Brazil, under the studies of gender relationship.
Keywords: History, Childhood, gender
A jovem Silvia Bohlke foi mãe em 1988, aos 22 anos[1]. Morava em Cunha Porã, no extremo oeste catarinense, era agricultora e semi-analfabeta. Alegando que não possuiria condições financeiras para criar seu terceiro filho, procurou pelo conhecido advogado Walter Post. Durante a gravidez, foi mantida por ele em uma pensão na cidade de Iraí, no Rio Grande do Sul, para que os pais dela não soubessem da gravidez. Além disso, recebeu Cz$5 mil do advogado e pela primeira vez teve seu bebê em um hospital. Em troca, assinaria um termo doando a menina para adoção.
Ainda no hospital, Silvia chorou e se disse arrependida por ter pedido ajuda quando foi comunicada pela Polícia Federal de que sua menina poderia ter sido levada para fora do Brasil. Em um depoimento contraditório, reproduzido pelo Diário Catarinense[2] em uma de suas páginas do dia 19 de agosto de 1988, a jovem ora afirmava ter sido vítima do aliciamento do advogado, ora declarava que havia pedido Cz$50 mil por doar o bebê. Não contava que, uma semana antes, Post seria preso pela Polícia Federal, após ter seu esquema descoberto quando alemães tentavam levar 20 recém-nascidos para a Europa.
Em 11 de agosto, disfarçados de mendigos pelas ruas da cidade de Cunha Porã há uma semana para acompanhar os passos dos alemães e dos advogados, os agentes federais efetuaram a prisão de Walter Post. No dia seguinte, o acontecimento foi capa do Diário Catarinense e assim permaneceu por vários dias consecutivos. Declarou-se que o advogado recebia em dólares e comercializava crianças até 9 anos, geralmente para a Alemanha já que era fluente no idioma[3].
O depoimento contraditório de Silvia Bohlke denota as dificuldades que a polícia tinha de averiguar como ocorria o comércio de crianças para adoção. Por se tratar de uma prática ilegal em que os intermediários costumavam ser advogados, os depoimentos obtidos das pessoas acusadas em geral possuíam estratégias retóricas para fazer sua defesa. Sobre a constante presença de advogados nos grupos envolvidos, Domingos Abreu garante que:
A presença do advogado começa a ser mais recorrente quando as adoções tornam-se mais freqüentes. Parte deles toma ciência das adoções internacionais por intermédio das próprias “cegonhas”, que precisam de um profissional que conheça a lei, que “acompanhe o caso”, que “desamarre a burocracia”, enfim, que faça “andar o processo” para “agilizar” os trâmites dentro do Juizado. Muitas “cegonhas”, responsáveis por creches particulares, começam a trabalhar em parceria com advogados.[4]
Deste modo, descrever na imprensa periódica as táticas utilizadas pelos grupos de traficantes para enviar crianças para o estrangeiro sem que fossem descobertos se torna uma ação dependente do serviço policial, pois só se conhecia aquilo que a Polícia divulgava.
[1] DIÁRIO CATARINENSE, 19 de agosto de 1988, p. 38.
[2] O jornal Diário Catarinense foi lançado pelo Grupo RBS em maio de 1986 e logo se consolidou como o grande
jornal impresso catarinense. Por este motivo, foi utilizado como fonte documental da pesquisa sobre tráfico de
crianças, em todas as edições lançadas entre maio de 1986 e dezembro de 1990.
[3] DIÁRIO CATARINENSE, 13 de agosto de 1988, p. 36.
[4] ABREU, op. cit., 2002. p. 69.
Continua...
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*Texto tomado del Archivo Documental “Cuerpos, sociedades e instituciones a partir de la última década del Siglo XX en Colombia”. Mallarino, C. (2011 – 2016). Tesis doctoral. DIE / UPN-Univalle.