EDIFICAÇÃO DO ENSINO PELO INSTRUMENTO CORPO
Resumo:
O presente artigo propõe uma reflexão sobre o discurso que foi se constituindo ao longo dos tempos acerca do corpo da professora. Utiliza conceitos da Análise Críticade Discurso de Fairclough e tem como corpus um “Contrato de Professora de 1929 –EUA”. A análise revela que, pelo disciplinamento e controle dos corpos, objetivava-sedisciplinar as mentes e o espírito das mulheres que exerciam o magistério.
Palavras –chave: Professora – Corpo – Escolarização
Considerações iniciais
Este artigo integra as atividades desenvolvidas na disciplina “Discurso e Relações Sociais”2. Analisa o discurso de um “Contrato de Professora” utilizado nos Estados Unidos em 1929, com base no modelo de Análise Crítica de Discurso de Norman Fairclough(2001), cuja proposta é a de descrever, interpretar e explicar eventos discursivos em três dimensões complementares: texto, prática discursiva e prática social. Como os pontos de entrada podem ser diferentes, isto é, não há uma regra para a abordagem tridimensional,pretendo partir das práticas sociais para as práticas discursivas e enveredar por questões de cunho textual, com certeza, por vezes, interconectando-as. Como minha formação é numa disciplina dita “exata” (biologia) e meu interessepelo discurso é bastante recente, sinto-me ainda pouco a vontade neste tipo de análise,cujos parâmetros não apresentam um caminho previamente definido. Entretanto, pelo fato de se tratar de um assunto diretamente relacionado com minha vida profissional, espero fazer deste trabalho algo vivo, que venha a interessar outros leitores.
Texto de referência: CONTRATO DE PROFESSORA – 1923 (APPLE, 1991, p.63).
Este é um acordo entre a Senhorita...... professora, e o Conselho de Educação da escola...., pelo qual a Senhorita.......concorda em ensinar por um período de oito meses, começando em 1º de setembro de 1923. O Conselho de Educação concorda em pagar à Senhorita....... a soma de 75 dólares por mês. A Senhorita............ concorda com as seguintes cláusulas:
1. Não casar-se. Este contrato torna-se nulo imediatamente se a professora se casar.
2. Não andar em companhia de homens.
3. Estar em casa entre 8 horas da noite e às 6 horas da manhã, a menos que esteja assistindo a alguma função da escola.
4. Não ficar vagando pelo centro em sorveterias.
5. Não deixar a cidade em tempo algum sem a permissão do presidente do Conselho deCuradores.
6. Não fumar cigarros. Este contrato torna-se nulo imediatamente se a professora forencontrada fumando.
7. Não beber cerveja, vinho ou uísque. Este contrato torna-se nulo imediatamente se aprofessora for encontrada bebendo cerveja, vinho ou uísque.
8. Não andar de carruagem ou automóvel com qualquer homem exceto seu irmão ou pai.
9. Não vestir roupas demasiadamente coloridas.
10. Não tingir o cabelo.
11. Vestir ao menos duas combinações.
12. Não usar vestidos mais de duas polegadas acima dos tornozelos.
13. Conservar a sala de aula limpa. (a) varrer o chão da sala de aula ao menos uma vez por dia. (b) esfregar o chão da sala de aula ao menos uma vez por semana com água quente esabão. (c) limpar o quadro negro ao menos uma vez por dia. (d) acender a lareira às 7 horas da manhã de forma que a sala esteja quente às 8 horasquando as crianças chegarem.
14. Não usar pó no rosto, rímel ou pintar os lábios.
Das práticas sociais às práticas discursivas
O fato de o ensino universal e democrático ter sido edificado, a partir do século XIX, em torno do trabalho feminino favoreceu a que o currículo e a vida privada e públicado professorado fossem controlados em todos os seus aspectos. No contrato de trabalhopara professoras dos Estados Unidos em 1923, fica evidente o “policiamento” da vidadessas mulheres. Apple (1991), reportando-se ao ensino como um processo de trabalho,salienta que a literatura contém muitos exemplos documentados sobre os efeitos dossistemas rígidos de administração e controle resultando em perdas de autonomia,habilidades, dentre outros aspectos.
A um primeiro olhar sobre o contrato de professora acima se constata em primeiro lugar a predominância das mulheres no magistério, marcando o gênero da docência como feminino e, por consequência, como baseado na coerção de quem administra o ensino sobre quem executa o ato de ensinar. Porém, segundo Louro (1997), o gênero dadocência também pode ser visto como masculino se pensarmos que a escola lida fundamentalmente com o conhecimento e que este é historicamente produzido por homens. Na verdade, enfatiza Louro, “a escola é atravessada pelos gêneros” (p.89).