Meu nome é “Híbrida”: Corpo, gênero e sexualidade na experiência drag queen
Resumo
Homem e mulher, feminino e masculino: o comportamento social dos indivíduos é norteado por di-cotomias que encontramos em corpos aprendidos e disciplinados. Nesse sentido, os papéis sociais de gênero vêm a ser fatores de diferenciação sexual, de forma a orientar a inteligibilidade dos corpos, através construções sociais de códigos estéticos, funcionais e comportamentais. A drag queen – re-presentada como um corpo onde os papéis sociais de gênero encontram-se justapostos – apresenta, através da performance, a possibilidade de ressignificar as relações fixas entre gênero, corpo e sexo. Enquanto indivíduo que opera na transformação estética e comportamental de seus papéis de gêne-ro, a drag permite pensar numa desnaturalização dos laços que envolvem esses conceitos. Diferente do travesti e do transexual, a drag queen questiona a fixidez de questões “hetero-normativas” atra-vés de um ato performativo, onde o corpo adquire signos específicos do sexo feminino e aplica a um corpo masculino, tornando-se “queer”. A experiência do corpo drag representa uma possibilidade de verificar o momento em que a normatividade da relação entre corpo, sexo e gênero entra em des-construção, resultando num corpo híbrido. O artigo se propõe à reflexão sobre a formação da dico-tomia masculino/feminino e a produção performativa de corpos drag.
Palavras-chave: drag queen; gênero; corpo; sexualidade
Abstract
Man and woman, male and female: the social behavior of individuals is guided by dichotomies found in learned bodies and disciplined. Accordingly, the social roles of genre come to be sexual differentia-tion factors to guide the intelligibility of the bodies, through social constructions of aesthetic, func-tional and behavioral codes. The drag queen – represented as a body where the gender social roles are juxtaposed – introduces, through performance, the possibility of re-mean fixed relations between gender, body and sex. While individual who operates in the transformation of their aesthetic and be-havioral gender roles, the drag allows thinking a denaturalization of ties involving these concepts. Different from the transvestite and transsexual, the drag queen questions the fixity of issues "hetero-normativas" through a performative Act where the body acquires female specific signs and applies to a male body, becoming "queer". The experience of the body drag represents a possibility to check the time that the normative relationship between body, sex and gender into deconstruction, result-ing in a hybrid body. The article purports to reflection on the formation of male/female dichotomy and the production of performative drag bodies.
Keywords: drag queen; gender; body; sexuality
Introdução
Corpos ambíguos, artificialmente híbridos e construídos para o espetáculo, o corpo drag atrai olhares e divide opiniões. A transformação de gêne-ro encontra lugar no campo discursivo a partir do momento em que o corpo passa a servir de suporte para a transgressão de fronteiras sociais do que se entende por masculino e feminino. Nesse sentido, drag queens e drag kings são personagens que utili-zam da linguagem da teatralização para representar identidades tecidas através de uma relação íntima entre performance e estética e que atuam na dis-cussão sobre a flexibilidade das questões de gênero responsáveis pela inteligibilidade dos sujeitos na so-ciedade.A primeira imagem que vem à cabeça quan-do proponho discutir relações de corpo, gênero e sexualidade é uma das campanhas de divulgação do filme norte-americano Transamérica (2005).
O pôs-ter é ilustrado por pela figura de uma mulher de costas diante de duas portas, sugerindo sem de ba-nheiros, cada uma sinalizada com uma placa que in-dica o masculino e o feminino. O longa-metragem mostra a trajetória de um indivíduo em processo de preparação para uma cirurgia de redesignação se-xual, que terá papel fundamental na realização pes-soal do protagonista: a transformação definitiva do seu corpo de homem em um corpo de mulher. A narrativa do filme baseia-se na recém-descoberta da paternidade pelo personagem de Felicity Huffman (que interpreta Bree/Stanley Ousborne), na situação em que se vê obrigada a lidar com essa situação an-tes de se submeter ao procedimento cirúrgico. Tra-ta-se de um roteiro que nos apresenta uma questão bastante presente na sociedade, principalmente nas últimas décadas quando os indivíduos transgêneros conquistaram maior visibilidade no discurso acadê-mico: assim como na imagem que ilustra o pôster do filme, qual o lugar do sujeito numa sociedade constituída por “homens” e “mulheres”? Quando apresento esta problemática não me refiro unicamente a seres humanos sexuados, mas como esses sexos são expressos em identida-des e papéis sociais. Parece fácil designar um corpo como macho ou fêmea, masculino ou feminino, mas a questão possui um alcance maior do que os olhos podem ver.
Longe dos binômios aos quais as pesso-as estão reduzidas –com base nas suas definições anatômicas– existem sujeitos, e nesses sujeitos i-dentidades. É imprescindível levar em consideração este aspecto, de forma que a questão do indivíduo não deve ser colocada em segundo plano, princi-palmente quando os corpos não se encontram em regularidade com conceitos sociais reguladores, tais como os que controlam as concepções relativas ao campo da sexualidade humana.Da mesma forma que a cena no pôster de Transamérica apresenta uma situação comum de questionamento com relação ao fenômeno dos transgêneros, os personagens principais do texto que segue proporcionam uma discussão importante e significativa quando se trata de analisar as formas de regulação do corpo a partir da dimensão do gê-nero.
Assim como no filme, diversos indivíduos na vida real procuram seu lugar na sociedade, como se estivessem perdidos ou como se fossem exteriores ao meio em que vivem. As formas de viver o gênero na sociedade a partir do corpo são apresentadas sob binômios e categorias que findam por excluir outras possibilidades de existência, como no caso de tra-vestis e transexuais. Sendo assim, o que vale a pena investigar –dentro da problemática que envolve a questão da subjetividade inscrita nesses corpos– é a maneira como a cultura produz e reproduz as mar-cas sociais presentes na inclusão e na margem onde as pessoas se encontram.